Seja bem vindo, mas não pise na grama

Não espero comentários, mas serão todos bem vindos para falar...

sábado, maio 30, 2009

Epifania


Tive uma epifania. Descobri que sou feito de carne e ossos, e não de sonhos como havia sonhado um dia, quando menino.
Não é fácil descobrir-se, depois de tanto tempo pensando ser herói, apenas de carne e osso. Dá-se sinal de fraqueza, tontura, náusea. Até tive que me sentar até a força do choque passar. Lembro-me de que quando criança, menino muito frágil e sonhador que era, minha mãe um dia me disse que eu poderia ser qualquer coisa, "Qualquer coisa?" - eu perguntei. "Qualquer coisa!" - ela me rebateu. E eu, menino de fraldas, acreditei.
Após esse dia andei de cabeça erguida, me perguntando: "O que vou ser?".
Decidí ser árvore, e me enraizei na terra, afundei minhas raízes tão fundo que só mesmo uma força divina me moveria do lugar onde me enfiara. Acordava com o canto dos pássaros, dei abrigo a vários animais que precisavam dele, e até senti alegria em devolver o ar aos que precisavam dele também, porém, me sentí sozinho, preso na rotina de ser um ser vivo imóvel, enraizado tão fortemente por própria vontade. Dei adeus aos que estavam ao meu lado no início de minha vida e saí dali.
Decidí virar pedra, mas após sentir a frieza daquilo em que me tornara, a imobilidade a que ficaria submetido descobrí que não poderia viver assim. Foi quando tentei ser água, derramando-me pelos rios e mares, sentindo a brisa marinha acima e rodeado pelos animais marinhos a que tanto amava, mas, mais uma vez me ví alí, misturado com tantos, eu queria ser único, um só.
Decidí então ser nuvem, e deixei-me levar pelos ventos do sul, sentindo as penas dos pássaros roçarem de leve meu rosto enquanto decidia que rumo tomar, em qual direção flutuar, mas descobri que sendo núvem teria que simplesmente seguií-lo, onde quer que ele quisesse ir.
Decidí que teria mesmo que ser humano.
E assim vivo desde então, ando por aí, faço tudo que posso, vivo, progrido, envelheço, como todos os outros, porém descobri-me, humano, bobo, egoísta, errado do início ao fim, mas com sentimentos e vontades, com liberdade para ser tudo que poderia ser, mesmo que o seja somente para mim mesmo, em meus sonhos e devaneios.
Acho que, no fim de tudo a minha mãe estava certa: "Eu posso ser qualquer coisa! Desde que seja humano o suficiente para sonhar".

quarta-feira, maio 27, 2009

O sorriso de Monalisa


Sorriso de Monalisa


Que sorriso enigmático, o sorriso de Monalisa,
o sorriso de toda e qualquer.
Esconde os mistérios de uma menina,
oculta um vél de mulher .

Que sorriso arrebatador,
de calor e frieza
um misto de candura e dor,
de fél e beleza;

Que coisa horrenda são seus olhos
presos na tela, estáticos
sem imagens, inibida.

Que pensamentos maravilhosos
de amores tão práticos
dessa estupenda beleza, sem vida.

R.G. Pfarrius

terça-feira, maio 26, 2009

Último ato


Último ato

Queria ter as mesmas idéias
as mesmas perdas e conquistas
apresentar em frente a uma platéia
essas verdades masoquistas;

A miséria às custas de um prato
entre ratos e migalhas de pão
este seria o primeiro ato
quer eles queiram ou não;

Queria trazer-lhes o lirísmo
com uma arma na mão
ofertar-lhes o mesmo patriotismo
daqueles que jazem no chão;

A histeria coletiva, em platéia
na história d'A vida de Fato
e os sorrisos nas faces da alcatéia
encerrariam o último ato.


R.G.Pfarrius

segunda-feira, maio 25, 2009

Amarras


Um amigo me falou que precisava se libertar das amarras do pessimismo e se permitir expressar-se, então fiquei pensando nisso, libertar-se das amarras, mentalmente, filosóficamente e porque não fisicamente também.
No nosso cotidiano estamos presos, enclausurados por nossos medos, sem poder lutar contra esse jugo fatídico que nos ameaça intermitantemente a cada vez mais ficarmos enquadrados, etiquetados.
Precisamos nos soltar dessas amarras, vigiar nossas próprias escolhas, precisamos? É nossa escolha soltarmo-nos dessa clausura? Enclausurados estamos dentro de nós mesmos, presos por sentimentos fortes demais para que sejam confrontados por meros humanos como nós, etiquetados, embalados. Somos meros humanos, fracos demais para a grande batalha: sair de nossa própria sombra, fugir do jugo da mediocridade, da satisfação.
Não estamos orgulhosos demais para admitir nossa própria fragilidade? Admitir que somos apenas um ponto na evolução? Homo sapiens.
A clausura está no ar que respiramos, nas amarras que nos auto-inflingimos.
Usamos amarras para não nos machucar, para nos esconder, esconder quem realmente somos, inclusive de nós mesmos.
Amarramo-nos tão fortemente que mesmo usando de força as cordas não sedem um centímetro, muito ao contrário, elas apertam mais ainda, por medo de sermos soltos de vez.
Amarramo-nos tão ferosmente que nem mesmo a alma mais hercúlea poderia mover-nos o sentimento de autoproteção.
Amarramo-nos tão ingenuamente que não notamos que não adianta fazer força para lutar, não adianta gritar, morder... somos nós nossos piores carcereiros, nossas prisões.
Amarramo-nos tão gentilmente que não notamos as marcas na pele, nem mesmo as cordas que nos prendem. E nem mesmo assim somos capazes de escolha, de atirarmo-nos em determinada direção. Não somos capazes de enxergar que nossas amarras são mera ilusão, mero contentamento com o que sentimos sobre nós mesmos.

R.G.Pfarrius

Um grande agradecimento ao Diego que foi quem originou a idéia desse texto!

domingo, maio 24, 2009

À noite


As luzes passam velozes por meus olhos, e não somente elas como as pessoas também, são apenas borrões indistintos. Não é a velocidade em que ando que me faz voar, mas a intensidade dos pensamentos alheios que me faz admirar a noite.
Nos bares eles e elas, sorrindo, blefando, beijando, amando, como se não houvesse amanhã, não houvesse nada além do momento. Não há segredos na noite, somente mistérios indecisos, insolúveis, além do véu escuro, luzes que luzem enquanto lampadas se apagam numa eroticidade inaudível e impalpável. Corpos se entrelaçam enquanto mentes vagam no limiar entre realidade e sonho e deixam-se levar pelo som da paixão noturna. À noite todos os gatos são pardos, mas também podem ser feitos de neón, ou de plumas, lycra, algodão, ou de qualquer outro fetiche que lhe admire. Nada há de perigoso na noite, nada além do jogo da sedução, jogo de gato e rato onde a ratoeira é uma cama com lençóis de algodão egipcio ou o banco de trás de um carro. Nada de admirável demais, somente diversão, para aqueles que a querem. As luzes passam velozes pelos olhos de todos somente para que se apaguem no fim da noite.

terça-feira, maio 19, 2009

Uma manhã


Mais uma vez o céu acordou de mau humor, e ao invéz do belo azul nos olhos, acordou com o ácido gosto cinza no céu da boca, o que não impediu suas estrelas de brilharem, ofuscadas pelo apático sol da manhã. Nem mesmo as ninfas das árvores urbanas, que há muito se acostumaram a dividir seus espaços com os gatos arrepiados das cidades, acreditaram nas cores que se desenrolavam nessa manhã. Um gato preguiçoso se acordou para ver que nada tinha no mundo que valesse a pena a sua filosofia ferina, ou mesmo um pingo de sua consideração, mas nem por isso deixou de sorrir para a velha infância que não se importava em bater na porta mais uma vez. Essa velha senhora de cabelos brancos e uma chupeta no bolso não espera, anda devagar, mas é difícil de esquecer, até hoje lembro de quando passou por aqui... que saudades. E então a mulher de olhar severo passou, não ia em direção ao cinema, mas sim em direção ao futuro, com passos firmes de quem já decidiu como e onde quer chegar, mas ela se perde em meio ao rebuliço que se tornaram as eras. Ela perdeu o seu tempo, que passou por seus olhos sem serem vistos, nem sentidos, nem vividos; Ela perdeu a consciência das cores, dos cheiros que inundavam a velha senhora de alegria, perdeu o tato, o gato não mais sorri mais quando ela passa, ela perdeu o brilho, se tornou ácida e cinza, perdeu o viço, a identidade... a noite cai e as estrelas brilham mais uma vez, a velha coloca a moça de passos firmes em sua cama, para que reflita. O que fizemos da nossa manhã?


R.G.Pfarrius

segunda-feira, maio 18, 2009

O maluco e o rio.



Eu sou um maluco, que um dia resolveu não embarcar na jangada do conhecimento para encarar as árvores da praça; sou o mesmo maluco que ao invés de seguir a maré segurou-se no braço estendido da incerteza e perguntou o porquê de tudo. Não obtendo respostas das faces direcionadas ao poente, perscrutei minha própria cara na água, procurando alí um minuto de compreenção do que se passava, mas novamente, o jugo terrível do mundo moderado e insensato me derrubou. Dessa vez então, me demorei olhando para o céu, com a barriga fora da água, pensando quando chegaria a cachoeira e o descanso final... então como eles se atrasaram na reunião interminável da teologia moderna, acabei por mergulhar de cabeça no tempo que passava; ví intermináveis conversações sobre Deus e deuses, sobre eu e você, e sobre a vida que, durante essa viajem maluca, não deixou de passar. Mas os rostos cansados ainda encaravam o poente em uma incansável procura pela normalidade, mas eu não, eu queria compreenção, queria dividir, só para saber quanto tinha antes de somar novamente.
Mas a jornada da compreenção não havia terminado, nada de repostas fáceis nem de perguntas diretas cuspidas à cara dos que sabem, não havia uma reta a seguir e acabei perdido no limbo das possibilidades infinitas, me demorando, sem pressa nem afobação, para escolher um caminho a seguir; muitos se seguiram perante os olhos maravilhados que encaravam tudo sem sabedoria por baixo do chapéu, só curiosidade, e eles passavam rápidos, passavam rápidos, até que precisei de óculos para poder enxergar de perto todas as possibilidades, e eram quase infinitas, só quase. Quando finalmente, depois de tanto esforço, decidí por qual caminho seguir, descobri ser pouco capaz de seguí-lo, já era velho demais para andar com minhas próprias pernas, e precisei de mais um par para voltar para o início da história, mais um par para saber que quando a jangada passasse novamente eu, por mais lindas que fossem as árvores ou a refrescante sensação da água abaixo da barriga, eu pularia, não de cabeça, pois ainda sou um curioso, um sonhador, mas me seguraria na mão estendida da sabedoria, para poder reverenciar as árvores e o tempo, com o carinho e o respeito que mereciam desde o começo, mas desta vez, vou deixar meu chapéu na beira do rio, para o caso do sol queimar a cabeça de mais alguém.


R.G. Pfarrius

domingo, maio 17, 2009

Madrugada



Madrugada.

Tudo que ouço são os ruídos ininterrúptos da televisão, aos quais não dou nenhuma atenção, simplesmente estão lá, como mais um móvel da casa, mais um dentre tantos, monótonos, sem graça. Algum filme de crimes passa ao fundo, ouço tiros e gritos, típico enlatado americano, mas como disse... nenhum interesse por isso. As paredes parecem se fechar em minha volta, dizer isso seria muito piegas? Acho sinceramente que não, não há nada de errado, simplesmente estão lá, invariavelmente brancas e sólidas, vindo em minha direção, ou estariam se distanciando?
Talvez não sejam as paredes e sim minha mente que, pensando em tudo em perspectiva, oscila, perde o fóco. Meu corpo ainda treme de frio, talvez devesse vestir algo mais quente, mas a simples idéia de levantar e ir até o guardaroupas me causa náuseas e uma enorme preguiça. Preguiça é um pecado, pecado esse que é inerente ao ser humano, ou seria algo que se aprende? Como a linguágem que nos utilizamos para comunicár-mos uns com os outros... talvez sim, ou mesmo que não seja, porque penso nisso as 3:15 da manhã? Às vezes, só às vezes me sinto um pouco perdido na madrugada, tantas horas, onde deveríamos, supostamente dormir, apagar, sonhar com coisas melhores que a vida que levamos... mas e se a vida é melhor que o sonho? Para que dormir, então? Na televisão agora alguma propaganda genérica de algum produto ao qual não me interesso nem um pouco, mas mesmo assim assisto, ávido por informação, inútil, útil, sei lá, estou aqui, perdido... na madrugada!
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